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  • Foto do escritorVOA INSTITUTO

O PAPEL DA PALAVRA E DA NARRATIVA NA PSICOTERAPIA

Atualizado: 9 de mai.



A jornalista Aline Maccari em apresentação de vídeo no youtube afirmou que “palavra é ponte”. Uma afirmativa simples, mas que carrega um significado claro de ligação, de conexão. Ela pode possibilitar trazer o desconhecido para o conhecido, ou trazer o interno do seu mundo para o externo. Também pode dar sentido cognitivo com a nomeação pela palavra, o que antes era sensação e/ou emoção. A palavra nomeia sentimentos e pensamentos e possibilita trazer a subjetividade de cada indivíduo ao mundo. A palavra narra histórias, expressa alegrias e dores, une ou desune pessoas. Infinitas possibilidades de construção de significados e sentidos para ela.


A palavra ao nomear os sentimentos, permite que haja uma expressão e uma possibilidade do seu mundo interno ser visto e entendido pelo outro. Parece tudo tão obvio não é mesmo? Porém, em consultório, os relatos permitem observar o quanto a conexão nas relações precisa caminhar. Frases como “acho que ele sabe”, “não é possível que ela não saiba” vão demonstrando o quanto se espera que o outro que interage conosco, decodifique o não dito muitas vezes ou o dito de acordo com o mapa mental de quem fala. Não seria mais seguro colocar em palavras o que se sente ou espera? Não seria uma ponte consistente ao colocar legenda na sua comunicação?


Nas relações interpessoais, muitas coisas são ditas, mas muitas ainda ficam mal ditas e não ditas. Sobre as coisas ditas, assinalamos a importância de estar atento se saem de forma irrefletida. Estas necessitam atenção e senso de presença para que haja entendimento de qual o objetivo e a quem estava direcionada. Muitas palavras são ditas sob efeito de emoções fortes e todos saem machucados. Os exemplos são inúmeros, mas pode se trazer aqui o de casais cansados e sobrecarregados que perdem o controle emocional e dizem o que querem e o que nunca desejariam ter dito. Acontece nas relações entre pais e filhos, entre colegas. São inúmeras as situações, porém, palavras ditas de forma irrefletida para crianças são perigosas pelo risco de a criança acreditar que o que está sendo dito é verdade. Sua imaturidade emocional e cognitiva não permite que ela perceba que seu pai ou sua mãe disse aquilo porque estava exausto(a). Estas palavras são ditas de forma irrefletida, consequência da exaustão e que provavelmente nem imaginam como elas afetam a construção da autopercepção e da autoimagem dessa criança, quando há este tipo de comunicação. 


As palavras mal ditas estão no centro de muitas brigas, distanciamentos e dores entre pessoas. É frequente se ouvir: “deixei para lá”, “não quis retomar a conversa para não piorar as coisas”. E o que é mal dito seguem sem chances de serem recolocadas, esclarecidas ou ditas de outra forma, buscando amenizar os efeitos de tudo que sai sem reflexão, por impulso ou de forma reativa. Mas as pessoas se dão ou dão ao outro a chance de recolocar palavras mal ditas? Na prática clínica, talvez essa seja uma reflexão recorrente: a necessidade de retomar diálogos onde não só palavras ficaram fora do lugar desejado. Palavras e histórias circulam sem reedição. Exemplos não faltam de adultos que se percebem “sem recursos”, “sem direitos”, “ovelha negra”, “burro” e muitas outras depreciações, fruto de palavras mal ditas e que nunca foram retomadas por quem as disse nem tampouco por quem foi afetado.


As palavras constroem narrativas pessoais ou histórias de famílias. A primeira diz para o mundo quem somos, o que pensamos e sentimos. A coerência da narrativa pode revelar consciência ou inconsciência, integração ou a falta de integração entre pensamentos, sentimentos e comportamentos. Este ato simples para alguns, pode ser bem difícil ou até impossível para algumas pessoas, onde se expressar pode ser bem difícil. As narrativas de histórias de famílias contam sobre padrões e repetições, sobre a cultura de um grupo de pessoas que ditam normas e valores a serem seguidos. Mas onde contar uma história pessoal tão intima e as vezes carregada de tanta dor e ameaças ao próprio eu? 


O espaço psicoterapêutico é o lugar mais seguro e terapêutico para fazer a revisão e uma reedição das palavras e narrativas que foram projetadas para outra pessoa ou que são carregadas em segredo. É um espaço de confiança, onde não há julgamentos de valor (certo ou errado, bom ou mau) e há uma reflexão sobre as emoções, pensamentos e crenças envolvidas no que foi mal dito.  


Em psicoterapia, uma pessoa ao se expressar para o psicoterapeuta, traz seu mundo interno e com ele, se mostra progressivamente seu eu mais íntimo. Projeta suas interrogações, contacta com emoções (alegres e dolorosas) passadas, faz reflexões internas assim como suas dores. Shakespeare disse: “Soltai as palavras tristes, as penas que não falam sufocam o coração extenuado e fazem-no quebrantar”.  Assinalamos que não só as palavras tristes, mas ao expressar seu mundo interno, o indivíduo se escuta, se afirma e se lança em direção ao outro. Terapeuticamente falando, será positivo a possiblidade de encontrar acolhimento, suporte, proteção, validação e novas perspectivas sobre si próprio.  Junto com o exercício de falar (se expressar) é desenvolvida a reflexão. Por meio desta, se torna possível uma nova edição de si mesmo, com melhorias que ocorrem paulatinamente. Esta reflexão é o caminho para o adulto rever o que foi ouvido quando era criança e se reposicionar em emoções e pensamentos. 


No espaço terapêutico, poderá ocorrer a construção de uma narrativa da sua história pessoal com mais integração. Isso porque para muitas pessoas, a fala sobre si mesmo é feita com recortes, alternando o que é lembrado e com o que consegue ser assumido publicamente. As defesas psicológicas entram dificultando o acesso livre da consciência a emoções e pensamentos que possam ser ameaçadores se acessados. Nesse sentido, Cozolino (2016) traz a importância das histórias como centrais na identidade individual, podendo construir narrativas potentes de autoestima ou narrativas que constroem uma baixa autoestima. Com elas, são carregadas as emoções vividas e que são integradas nas histórias pessoais. 


E uma observação se faz importante, diante de colocações corriqueiras de pessoas que dizem contar suas histórias para seus amigos. E a pergunta que cabe é: falar com amigos é igual a falar com um psicoterapeuta? A resposta é, depende do que você deseja. Conversar com amigos é importante para a saúde mental, cria laços de companheirismo e afeto, favorecendo uma rede de apoio importante para todos. Porém, se você deseja aprofundar seu autoconhecimento e desenvolver ou ampliar a percepção de si mesmo (pensamentos e sentimentos) e dos outros ao seu redor, melhorando sua forma de enfrentamento da vida e das suas relações. Se for esta segunda situação, procure um psicoterapeuta. 



REFERENCIA

COZOLINO, Louis. Why Therapy works: using our minds to change our brains. New York, Norton & Company, 2016. 


Acario, Sylvia; Jarró, P.M. e Correia, J. S. (2024). O papel da palavra e da narrativa na psicoterapia. VOA Instituto de Psicologia. www.voainstitutodepsicologia.com.br

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