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ALGUNS ENGANOS NO CUIDADO DO ENLUTADO



O luto falando de forma simples e direta diz respeito aos sentimentos, muitas vezes intensos e dolorosos, decorrentes da perda de um ente querido por morte, por separação conjugal, pela perda de um membro do corpo, pela perda de um emprego, aposentadoria, migração entre tantos outros cenários que envolvem perdas significativas. Apesar de atualmente haver mais esclarecimento do que anos atrás, ainda existem muitos entendimentos equivocados sobre a experiencia do luto. Este texto pretende trazer alguns desses enganos fruto de situações vividas na prática clínica e serão apresentados aleatoriamente, não havendo uma ordem de importância como critério.


1) A regressão no processo do luto


Uma determinada cliente em processo psicoterapêutico para cuidar do luto por perda de um dos seus genitores, após um período relata sentimentos menos intensos, menos sentimento de culpa e mais disposição para dialogar sobre sua perda com colegas de trabalho e vizinhos. Reconhece que sua expressão de pesar e seu engajamento na vida aumentou. Certo dia chegou ao consultório e disse que seu processo de luto “regrediu”, pois estava mais chorosa, lamentando a morte e com dificuldade de aceitar a nova realidade.


Com base nos autores Stroebe e Schut (1999), a percepção de regredir em um processo de luto é um engano. Os autores explicam por meio do modelo do processo dual do luto que a experiencia do luto é vivida com movimentos que oscilam, ora voltados para a perda, ora voltados para a restauração. Os movimentos voltados para a perda ocorrem inicialmente com mais frequência e intensidade, pela necessidade de responder emocionalmente ao rompimento. À medida que o tempo passa e com novas experiencias sendo adicionadas à vida da pessoa e em muitas situações com a ajuda da psicoterapia especializada em luto, o enlutado passa a oscilar e apresentar movimentos em direção a restauração e reconstrução da vida, agora sem a presença do seu ente querido. O luto acompanha esse indivíduo ao longo da vida, podendo despertar sentimentos de tristeza pela perda durante toda sua existência. Porém, não se pode falar em regressão porque o processo emocional é dinâmico e apresenta oscilações entre seguir adiante e revisitar sua vida antes da perda.


2) O esquecimento da pessoa perdida


Uma cliente após a morte do irmão apresenta sentimentos intensos de tristeza, revolta e culpa. A relação entre eles era marcada por muita intimidade e confiança. Porém ao sair férias, não lembrou do irmão um único dia. Em seu retorno disse sentir-se decepcionada e temendo esquecê-lo.


Sendo o amor um vínculo eterno, um ente querido será lembrado ao longo de todo ciclo de vida de uma pessoa. A autora O”Connors (2023) explica como acontece o luto no cérebro e menciona as três dimensões pelas quais a perda é vivenciada : espaço, tempo e proximidade. No caso dessa cliente, ao compartilhar a rotina de uma casa onde faz refeições com o irmão (dimensão - espaço) e tem momentos juntos (dimensão - tempo) e compartilham suas vidas (dimensão – proximidade), foi construído um mapa mental decorrente dessa experiencia. Enquanto estava em casa era confrontada constantemente com a experiencia de não ter o irmão nessas dimensões, o que gera muita dor e por vezes confusão. A sensação narrada é de que a pessoa irá aparecer a qualquer momento. Ao viajar de férias e sair do ambiente (espaço) com programações diferentes (tempo) e com amigas (proximidade), o cérebro de certa forma foi exposto a uma experiencia nova o que a distanciava do mapa conhecido. Assim, é um engano pensar que é possível esquecer um ente querido morto, podendo acontecer uma ressignificação da perda.


3) A ausência do choro na expressão do pesar


“Acho que minha irmã não está sentindo a morte da nossa mãe. Ela não chora e fala quase nada sobre a morte dela”.


Os julgamentos sociais são comuns. Quando se trata do processo do luto esses julgamentos são carregados de estereótipos, preconceitos e percepções superficiais acerca das emoções que se acredita serem essenciais na expressão do amor e do pesar. É preciso entender que cada indivíduo terá sua forma própria de sentir e expressar seu luto podendo reagir imediatamente ao saber da notícia ou levar um tempo não definido para sentir tal perda. Não há como definir o que o outro sente apenas por expectativas ou padrões.

É recomendável que cada indivíduo enlutado não julgue sua própria forma de sentir e expressar suas emoções acerca da sua perda. A procura por um profissional especializado no cuidado ao luto poderá ser muito benéfica, ajudando-o a construir um espaço seguro para expressão do pesar dentro e fora do setting psicoterapêutico, esclarecendo equívocos e psicoeducando sobre o luto. Embora não seja regra.


4) A impermanência da vida


“Acho que essa dor não vai passar nunca."


A perda gera um rompimento com alguém que se ama. Dependendo da forma da morte, de quem foi perdido, da relação estabelecida, a morte pode ser uma quebra de mundo presumido geradora de intensa dor. Com isso, é preciso aceitar que, como Collin Parkes (2009, pag. 11) disse: “o amor é a fonte de prazer mais profunda da vida, ao passo que a perda daqueles que amamos é a mais profunda fonte de dor.” Permitir-se sentir, expressar e se possível ressignificar a vida após a perda, será uma etapa importante para que o luto ocorra com comportamentos adaptativos e possibilitem sua retomada.

O’Connor (2023) traz uma importante contribuição para o entendimento do processo de luto ao explicar como ocorre a perda no cérebro. Esclarece que o cérebro cria um mapa virtual com dimensões (aqui, agora e perto) através das experiencias vividas com uma pessoa e após a morte desta, o cérebro precisará de um tempo para “atualizar” esse mapa continuando a vida na perspectiva de um mapa virtual atualizado. Lembrando que o mapa anterior (a vida com seu ente querido) jamais será esquecido e será acessado ao longo de toda sua existência.


5) Proteger a criança da dor da perda


Não quero que meu filho sofra a perda do pai. Estou tocando a vida como se nada tivesse acontecido”.


Um equívoco presente quando há a morte de um genitor/cuidador ao longo da infância é a crença que evitar falar sobre a perda evitará o sofrimento da criança. Sofrer faz parte do processo da perda porque existe o amor gerado pelo vínculo cuidador/genitor-filho(a). A figura do cuidador tem várias representações para a criança (segurança, amor, proteção, provimento) e com a morte dessa figura existirão perdas reais e simbólicas. O desejo que a criança não sofra é irreal.


A fala sobre a morte e sobre a falta que a pessoa faz na vida de todos ajuda na expressão e elaboração dos sentimentos, além de oferecer fonte de apoio entre os enlutados.

Outro equívoco é achar que a criança não sentirá a perda. As crianças sentem a falta do seu ente querido e se enlutam assim como os adultos. Falar com a criança poderá ser um diferencial para a sua saúde emocional e mental no momento e para a vida futura.


Os enganos mencionados anteriormente expressam o quanto é imprescindível falar de assuntos que são tabus sociais como perda, morte e sofrimento. É importante entender a impermanência da vida experimentando o prazer-dor, alegria-tristeza, calma-raiva.


REFERÊNCIAS


PARKES, Colin Muray. Amor e Perda: as raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus, 2009.

STROEBE, M; Schut,H. The dual process model of bereavement – Rationale and description. Death Studies, v.23, n.3, p.197-224, 1999.


O’COONOR, Mary-Frances. O Cérebro de Luto: como a mente nos faz aprender com a dor e a perda. Rio de Janeiro: Principium, 2023.


Acario, Sylvia; Jarró, P. M. e Correia, J. (2023). Alguns enganos no cuidado ao enlutado. Voa Instituto de Psicologia. www.voainstitutodepsicologja.com.br

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